Em 2004, um tsunami causado por um terremoto subaquático com magnitude de 9,1 graus na escala Richter, na costa da Indonésia, dizimou comunidades litorâneas ao longo do Oceano Índico, matando pelo menos 225 mil pessoas em uma dúzia de países. A enorme quantidade de mortos foi causada, em parte, pelo fato de que muitas comunidades não receberam alerta de tsunami.
Por Norman Miller - BBC Future
Afirma-se que cavalos correram em pânico antes do terremoto de São Francisco em 1906 - Foto: BERNARD FRIEL/GETTY IMAGES
Os sistemas locais de alerta precoce feitos pelo homem, como sensores de marés e terremotos, não geraram nenhum aviso claro. Muitos sensores estavam fora de operação por questões de manutenção, enquanto muitas áreas costeiras não contavam com sistemas de sirene de alerta de tsunamis.
Sistemas de comunicação instáveis também deixaram de fornecer avisos. Muitas mensagens de texto não foram recebidas pelos telefones celulares em áreas ameaçadas ou não chegaram a ser lidas.
Nos minutos e horas decorridos antes que as enormes ondas de água com até 9 metros de altura atingissem as faixas litorâneas, alguns animais pareciam sentir o perigo iminente e esforçavam-se para fugir.
Segundo relatos de testemunhas, elefantes correram para os terrenos mais altos, flamingos abandonaram áreas de ninhos em locais baixos e cães se recusaram a sair de casa. Na aldeia costeira de Bang Koey, na Tailândia, habitantes locais relataram ter visto uma manada de búfalos na praia subitamente levantar as orelhas, olhar para o mar e debandar para o topo de um morro próximo poucos minutos antes de o tsunami chegar.
"Sobreviventes também relataram terem visto animais, como vacas, cabras, gatos e pássaros, movimentando-se deliberadamente para o interior pouco depois do terremoto e antes da chegada do tsunami", diz Irina Rafliana, que fez parte de um grupo consultivo da Estratégia Internacional para Riscos de Desastres das Nações Unidas (UNISDR) e agora é pesquisadora do Instituto Alemão para o Desenvolvimento em Bonn, na Alemanha. "Muitos dos sobreviventes correram junto com esses animais ou imediatamente depois deles."
Elefantes correram para locais mais altos antes da chegada do tsunami do Oceano Índico em 2004 - Foto: CHAIDEER MAHYUDDIN/GETTY IMAGES
Rafliana relembra histórias similares relacionadas ao seu campo de trabalho em outros desastres, com o tsunami de 2010, gerado por um terremoto subaquático perto de Sumatra, que matou cerca de 500 pessoas nas ilhas Mentawai, na Indonésia. Também nesse caso, houve relatos de que alguns animais, como elefantes, reagiram como se tivessem algum tipo de conhecimento precoce do evento. E, poucas semanas atrás, uma tartaruga recém-libertada deu meia-volta subitamente dois dias antes da erupção vulcânica em Tonga, em janeiro de 2021.
Não existem sistemas de alerta precoce em muitas áreas atingidas regularmente por desastres naturais. Em 2017, a Organização Meteorológica Mundial concluiu que os governos de cerca de 100 países ainda não possuem sistemas de alerta precoce para os desastres naturais a que estão sujeitos.
Esses relatos de comportamentos dos animais antes dos desastres levaram alguns pesquisadores a dedicar atenção científica séria à teoria de que os animais podem ter sistemas próprios que os alertam sobre desastres naturais iminentes. Isso levanta uma questão fascinante: os animais poderiam fornecer sistemas naturais de alerta precoce para os seres humanos?
Os relatos são antigos
A referência mais antiga registrada sobre comportamentos incomuns dos animais antes de um desastre natural data de 373 a.C., quando o historiador grego Tucídides relatou que ratos, cães, cobras e doninhas abandonaram a cidade de Hélice, na Grécia, dias antes de um terremoto catastrófico.
Existem descrições similares em outros momentos da história humana. Minutos antes do terremoto de Nápoles, na Itália, em 1805, os bois, carneiros, cães e gansos supostamente começaram a emitir sinais de alarme em uníssono. E há relatos de que cavalos correram em pânico pouco antes do terremoto de São Francisco, nos Estados Unidos, em 1906.
Mesmo com tecnologia avançada, pode ser difícil detectar muitos tipos de desastres naturais iminentes. No caso de terremotos, por exemplo, os sismógrafos somente começam a mover-se e registrar oscilações no papel quando a terra já começou a tremer.
Previsões confiáveis exigem sinais precursores - e, até o momento, os cientistas não encontraram nenhum indício característico que possa ser identificado antes dos grandes terremotos. Por isso, alguns cientistas estão cada vez mais dispostos a considerar sinais de alerta menos ortodoxos, como o comportamento dos animais.
"Mesmo com toda a tecnologia disponível hoje em dia, não conseguimos prever adequadamente os terremotos, nem a maior parte das catástrofes naturais", afirma Charlotte Francesiaz, líder de uma equipe de ornitólogos do Escritório Francês da Biodiversidade (OFB) e parte do projeto Kivi Kuaka, que está examinando como as aves migratórias que cruzam o Oceano Pacífico parecem ser capazes de desviar-se de tempestades e outros perigos.
Rastreamento remoto
Uma das pesquisas mais importantes sobre a forma como os animais podem prever desastres naturais foi conduzida cinco anos atrás por uma equipe liderada por Martin Wikelski do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, na Alemanha.
O estudo envolveu registros dos padrões de movimento de diferentes animais (vacas, carneiros e cães) - um processo conhecido como rastreamento remoto - em uma fazenda na região de Marcas, na Itália, que é sujeita a terremotos. Colares com chips foram colocados em todos os animais e enviaram dados de movimentação para um computador central em intervalos de minutos, entre outubro de 2016 e abril de 2017.
Durante esse período, as estatísticas oficiais registraram mais de 18 mil terremotos na região, desde tremores minúsculos com apenas 0,4 graus de magnitude até uma dúzia de tremores de magnitude 4 ou acima - incluindo o devastador terremoto de Nórcia, com magnitude de 6,6 graus.
Os pesquisadores encontraram evidências de que os animais da fazenda começaram a mudar de comportamento até 20 horas antes dos terremotos. Sempre que os animais monitorados, coletivamente, apresentavam 50% mais atividade por um período de mais de 45 minutos, os pesquisadores previram terremotos de magnitude superior a 4,0. Sete dos oito terremotos fortes foram previstos corretamente desta forma.
"Quanto mais próximos os animais estavam do epicentro do tremor iminente, mais cedo eles mudavam seu comportamento", afirmou Wikelski em 2020, quando o estudo foi publicado. "Este é exatamente o esperado quando mudanças físicas ocorrem com mais frequência no epicentro do terremoto iminente e tornam-se mais fracas com o aumento da distância."
Outro estudo conduzido por Wikelski, que acompanhou os movimentos de cabras monitoradas nas encostas vulcânicas do Monte Etna, na Sicília (Itália), também concluiu que os animais pareciam sentir antecipadamente quando o Etna entraria em erupção.
O cientista Martin Wikelski monitorou cabras para saber se elas conseguem detectar erupções vulcânicas no Monte Etna, na Itália - Foto: CHRISTAN ZIEGLER/MPI-AB
Já a ecologista comportamental Rachel Grant - agora na Universidade South Bank, em Londres - encontrou resultados similares na Cordilheira dos Andes. Ela realizou monitoramento remoto dos padrões de movimentação dos animais, utilizando câmeras acionadas por movimentos no Parque Nacional Yanachaga, no Peru, por um período que incluiu o terremoto de Contamana de magnitude 7,0 em 2011.
"O número de animais gravados pelas câmeras começou a cair cerca de 23 dias antes do terremoto - e a redução se acelerou oito dias antes do tremor", segundo Grant em seu relatório de pesquisa em 2015. "Nos dias 10, 6, 5, 3 e 2 antes do terremoto - e no próprio dia do tremor - não foi registrado nenhum movimento dos animais, o que é muito incomum."
Essencialmente, Grant também encontrou evidências do que poderá estar acionando as mudanças de comportamento dos animais locais - uma série de fortes perturbações das cargas elétricas da atmosfera local a cada dois a quatro minutos, que começam duas semanas antes do tremor. Foi registrada uma flutuação particularmente grande cerca de oito dias antes do terremoto de Contamana - o que coincide com o início do segundo estágio de desaparecimento dos animais da região.
Os cientistas agora estão explorando se essas perturbações eletromagnéticas na atmosfera antes dos terremotos poderão ser um sinal de alerta de tremores iminentes que os animais podem sentir.
Os terremotos são invariavelmente precedidos por um período em que surgem fortes tensões nas rochas profundas. Essas tensões são conhecidas por criarem cargas eletrônicas chamadas de "buracos positivos". Essas portadoras de cargas eletrônicas têm alta mobilidade e podem fluir rapidamente da crosta para a superfície da Terra, onde ionizam moléculas de ar acima do local onde elas surgem.
Essa ionização foi observada antes de terremotos em todo o mundo. À medida que esses buracos positivos fluem, eles também geram ondas eletromagnéticas em ultrabaixa frequência, fornecendo um sinal adicional que alguns animais podem ser capazes de captar.
"Os precursores de terremotos não são bem documentados cientificamente", segundo Matthew Blackett, professor de geografia física e riscos naturais da Universidade de Coventry, no Reino Unido. Mas ele afirma que alguns cientistas defendem a teoria de que os animais poderão ter um mecanismo evoluído de fuga de sismos.
"Talvez eles detectem ondas de pressão antes da chegada dos terremotos ou talvez detectem mudanças no campo elétrico como linhas de falha quando a rocha começa a comprimir-se. Os animais também contêm [no corpo] muito ferro, que é sensível ao magnetismo e aos campos elétricos", explica Blackett.
Os buracos positivos poderão também causar o surgimento de certas substâncias tóxicas antes dos terremotos. Se eles entrarem em contato com a água, por exemplo, podem acionar reações oxidantes que criam o agente lixiviador peróxido de hidrogênio. Reações químicas entre as portadoras de carga e a matéria orgânica do solo poderão gerar outros produtos desagradáveis, como o ozônio.
Dias antes do terremoto de Gujarat, na Índia, de magnitude 7,7 em 2001, satélites captaram um pico dos níveis de monóxido de carbono sobre uma região de 100 km2 em volta do que viria a ser o epicentro do terremoto. Cientistas indicaram que o gás monóxido de carbono poderá ter sido forçado para fora da terra devido ao acúmulo de tensão nas rochas à medida que a pressão do tremor se acumulava.
Naturalmente, muitos animais possuem aparelhos sensoriais altamente desenvolvidos que podem ler uma série de sinais naturais dos quais dependem suas vidas. Por isso, parece perfeitamente possível que alguns animais possam ser capazes de captar precursores de terremotos. Eles podem detectar substâncias desagradáveis pelo olfato, captar ondas de baixa frequência e perceber o ar ionizado pelas sensações no pelo ou nas penas.
Animais como alerta de terremotos
Com a enorme dificuldade enfrentada para prever os terremotos, essas descobertas trazem a questão: os seres humanos realmente poderão prever terremotos observando os animais e assim poder avisar as pessoas do que está por acontecer?
Em um estudo de 2020, Wikelski e seus colegas formaram um protótipo de sistema de alerta precoce de terremotos utilizando locais de monitoramento da atividade dos animais, com base em dados das suas pesquisas na Itália.
Ele estimou que animais de criação acima do ponto de origem do terremoto iminente que fossem capazes de percebê-lo de alguma forma exibiriam atividade em 18 horas antes do tremor. Animais situados a 10 km de distância do epicentro deveriam exibir sinais de alerta oito horas mais tarde, seguidos em mais oito horas por animais em fazendas a 20 km de distância.
"Se isso der certo, indicará a iminência de um terremoto nas próximas duas horas", afirma ele.
Os pesquisadores precisarão observar um número maior de animais por períodos de tempo mais longos em diferentes regiões sujeitas a terremotos em várias partes do mundo antes que eles possam ser utilizados para prever tremores. Para isso, Wikelski e outros estão buscando a ajuda de Icarus - o sistema global de observação de animais da Estação Espacial Internacional - para reunir dados de movimentos de animais em todo o planeta.
Icarus (sigla em inglês de Cooperação Internacional para a Pesquisa de Animais Usando o Espaço e também referência à mitologia grega) é uma iniciativa formada em 2002 por cientistas em colaboração global. Seu objetivo é oferecer um sistema preciso de observação global de uma série de pequenos animais rastreados (aves, por exemplo) para fornecer dados e indicações sobre a interação entre a vida animal do planeta e seus sistemas físicos.
Paralelamente, a China já criou um sistema de alerta de terremotos, instalado no seu escritório de terremotos em Nanning, no sul do país, que monitora o comportamento de animais que ficam muito mais próximos do solo - especificamente, cobras em fazendas ao longo de uma ampla região sujeita a terremotos.
As cobras possuem um poderoso conjunto de mecanismos sensoriais para detectar minúsculas alterações de aspectos do seu ambiente. Foram, em parte, mudanças súbitas no comportamento das cobras e outros animais que alertaram as autoridades para evacuar a cidade chinesa de Haicheng, em 1975, pouco antes de um grande terremoto - uma ação que salvou um incontável número de vidas.
"De todas as criaturas da Terra, as cobras talvez sejam as mais sensíveis aos terremotos", afirmou Jiang Weisong, então diretor do escritório de Nanning, ao jornal China Daily em 2006. "Quando um terremoto está por acontecer, as cobras saem dos seus ninhos, mesmo no frio do inverno."
Aves fogem de tempestades
Os terremotos não são os únicos desastres que os animais parecem conseguir detectar com antecedência. As aves estão sendo cada vez mais estudadas por aparentemente poderem identificar a aproximação de outros desastres naturais.
Em 2014, cientistas que rastreiam mariquitas-de-asa-amarela nos Estados Unidos registraram um exemplo surpreendente do que é conhecido como migração de evacuação. Essas aves começaram a sair do seu local de reprodução nas montanhas Cumberland, no leste do Tennessee, e voaram por 700 km - mesmo tendo acabado de voar por 5 mil km desde o norte da América do Sul.
Pouco depois que as aves voaram, uma terrível série de mais de 80 tornados atingiu a região, matando 35 pessoas e causando prejuízos de mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões).
A indicação parece clara: os pássaros sentiram de alguma forma os ciclones se aproximando a mais de 400 km de distância. Mas como? Estudos iniciais concentram-se no infrassom - sons de fundo de baixa frequência inaudíveis para os seres humanos, mas presentes em todo o ambiente natural.
"Os meteorologistas e físicos sabem há décadas que tempestades com tornados produzem infrassons muito fortes que podem viajar por milhares de quilômetros de distância da tempestade", disse na época Henry Streby, biólogo da vida selvagem da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos. Ele afirmou ainda que o infrassom de tempestades intensas viaja a uma frequência na qual os pássaros estariam sintonizados para ouvir.
Também se acredita que a variação de infrassom seja o mecanismo pelo qual as aves migratórias parecem ser capazes de desviar-se de tempestades em vastos cruzamentos oceânicos - uma ideia que agora está sendo analisada pelo projeto Kivi Kuaka, um estudo em andamento no Oceano Pacífico.
Esse estudo foi inspirado por um programa de rádio que o oficial da marinha francês Jérôme Chardon ouviu sobre o pássaro Limosa lapponica, conhecido como fuselo, que todos os anos viaja 14 mil km para migrar entre a Nova Zelândia e o Alasca.
Como coordenador experiente de operações de resgate em todo o sudeste asiático e na Polinésia Francesa, Chardon sabia como essa viagem pode ser traiçoeira. Violentas tempestades varrem o Oceano Pacífico e suas comunidades em ilhas isoladas com frequência. Como os fuselos conseguem fazer suas viagens anuais sem enfrentar dificuldades com os riscos de tempestades que estão sempre presentes?
Formado em janeiro de 2021, o projeto envolve uma equipe do Museu Nacional de História Natural da França, que instalou rastreadores de GPS em 56 aves de cinco espécies diferentes para acompanhar as rotas percorridas através do oceano.
A Estação Espacial Internacional oferece a supervisão, recebendo os sinais dos pássaros durante o voo e observando como eles reagem aos riscos naturais durante o trajeto. E os rastreadores dos pássaros também coletam dados meteorológicos para ajudar a melhorar a formação de modelos climáticos e a previsão do tempo em todo o Pacífico.
O projeto Kivi Kuaka também observará se o comportamento dos pássaros poderá servir de alerta contra riscos iminentes como tsunamis, que, como se sabe, geram padrões de infrassom distintos que antecipam as fortes ondas. O projeto pretende testar a possível contribuição das aves para um sistema de alerta precoce que informe a chegada iminente de um tufão ou tsunami, segundo Charlotte Francesiaz.
A equipe está atualmente em processo de recuperar os rastreadores de GPS dos pássaros para examinar se eles reagiram a uma onda de ultrassom registrada por balões meteorológicos franceses no Oceano Pacífico poucas horas depois da recente erupção vulcânica em Tonga.
Samantha Patrick, bióloga marinha da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, também está examinando o infrassom como método utilizado pelas aves para detectar e evitar riscos naturais - e, por extensão, também alertar os seres humanos.
"Acho que podemos dizer que é possível que as aves sejam capazes de sentir mudanças no infrassom", segundo Patrick. No momento, ela está verificando se os albatrozes demonstram preferência por áreas de alto ou baixo infrassom, mas a análise ainda não está completa.
Nem todos os especialistas concordam que os sistemas de alerta precoce com animais seriam uma opção viável para prever desastres naturais. E, mesmo se eles realmente ajudarem, é improvável que os movimentos de animais isoladamente sejam suficientes. As pessoas precisarão de uma combinação de diversos sistemas de alerta precoce para terem o quadro completo.
Ainda assim, embora ainda não possamos falar com os animais, talvez seja hora de prestar mais atenção aos seus avisos.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.