Agência FAPESP* – Especialistas do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) analisaram oito projetos que utilizam gás natural como fonte de energia elétrica e concluíram que o modelo pode ter papel importante para a segurança energética do país. Outro benefício é estimular o crescimento da rede de gás natural, fonte de energia mais vantajosa do que o carvão e os derivados do petróleo em termos de emissão de gases do efeito estufa e poluentes.
Estudo conduzido no Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa analisou oito projetos que geram energia elétrica com gás natural e apresentam vantagens sobre carvão e óleo diesel. Foto: Ria on Unsplash
O RCGI é um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Shell na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
Os resultados do estudo foram descritos no artigo “A review of gas-to-wire (GtW) projects worldwide: State-of-art and developments”, publicado na revista científica Energy Policy.
“O modelo gas-to-wire permite que o gás natural seja transformado em energia elétrica por meio de um processo vertical em que todas as fases são conduzidas por uma mesma empresa ou consórcio”, aponta Thiago Brito, um dos autores do trabalho e pós-doutorando na USP. “Trata-se de um sistema que integra todas as etapas da cadeia energética, da exploração de gás natural à geração e comercialização de eletricidade”, acrescenta.
Segundo Brito, esse modelo costuma ser adotado em países que não possuem um sistema desenvolvido de distribuição de gás. “No caso, a empresa ou o consórcio detectam uma reserva de gás natural, em geral localizada em área remota, de difícil acesso. Em função da falta de infraestrutura local, o investidor constrói a própria infraestrutura, incluindo uma termelétrica, que será basicamente suprida pelo gás dessa reserva. É um projeto pensado desde o início dentro do conceito gas-to-wire, que também pode ser chamado de reservoir-to-wire [do reservatório-à-rede elétrica] ou gas-to-power. São terminologias diferentes para designar a mesma ideia”, explica o especialista.
Projetos estudados
Dos oito projetos analisados, três são no Brasil, e os demais, na Ásia e na África. Um deles é o Complexo Parnaíba, no Maranhão, da empresa brasileira Eneva. Inaugurado em 2013, o empreendimento é responsável por gerar 11% da capacidade térmica a gás do país. Foi o primeiro projeto na modalidade cabeça de poço no Brasil, que são projetos gas-to-wire nos quais as usinas estão localizadas ao lado do reservatório de gás.
O Complexo Parnaíba aproveita reservas de gás natural onshore, já que grande parte das reservas de gás brasileira se encontra offshore, em especial na região do pré-sal. “Além de único, é inovador, pois rompeu diversas barreiras: a falta de estrutura para escoamento do gás para o consumidor, proporcionando garantia energética ao país com baixos custos, mitigando impactos ambientais e contribuindo com a sociedade local”, explica Brito.
Outra iniciativa é a Série Azulão-Jaguatirica, que também pertence à Eneva e foi inaugurada em 2021. No caso, o gás natural extraído no campo do Azulão, no Amazonas, é utilizado para gerar eletricidade no Estado de Roraima. Sem acesso à rede elétrica brasileira, Roraima obtinha 100% de sua energia por meio de termelétricas movidas a óleo diesel, responsável por alta emissão de gases de efeito estufa.
“Embora seja fonte de energia fóssil, o gás natural emite menos gases de efeito estufa e poluentes do que o carvão e derivados do petróleo”, afirma o pesquisador, lembrando que no caso de Roraima havia também o fator instabilidade. “Como o óleo diesel era comprado da Venezuela, as turbulências político-econômicas daquele país nos últimos anos acabavam comprometendo o fornecimento do produto”, acrescenta.
Atualmente, o gás natural é transportado a bordo de caminhões com tanques criogênicos que saem do campo do Azulão para percorrer uma distância de cerca de 1.100 quilômetros até a termelétrica Jaguatirica, em Boa Vista (RR). A estimativa é que o complexo possa gerar energia elétrica para abastecer mais da metade do Estado de Roraima.
“De fato, o ideal do ponto de vista econômico e ambiental é que a termelétrica esteja próxima à reserva de gás. Porém, nosso artigo desfaz a crença de que isso seja regra no modelo gas-to-wire. Na maioria dos projetos estudados essa distância superava os 100 quilômetros, porque o gás pode ser levado até a usina por meio de dutos ou caminhões, por exemplo”, exemplifica Brito.
Por fim, os pesquisadores também se debruçaram sobre o projeto Marlim Azul, que deve começar a operar em 2023, na cidade de Macaé, no Rio de Janeiro. Fruto da parceria entre Shell e Mitsubishi Hitachi Power Systems, com posterior entrada da Pátria Investimentos, o empreendimento deve gerar 565 megawatts, suficientes em potência para atender ao consumo de uma população de 2,5 milhões de habitantes.
O artigo A review of gas-to-wire (GtW) projects worldwide: State-of-art and developments pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0301421522000842?via%3Dihub.
* Com informações da Assessoria de Comunicação do RCGI.